sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Sobre ditaduras e ofensas

Chamar a ditadura militar de "ditabranda" já pode ser considerado questionável. Ofender Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato por suas posições contra a ditadura militar é terrível em um jornal que afirma ter "Rabo Preso com o Leitor". Segue abaixo a carta que enviei à Folha de São Paulo, e a simpática nota que motivou a carta e este post:

Nota da Folha (publicada no Painel do leitor de hoje):

A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua "indignação" é obviamente cínica e mentirosa.

Carta:

Branda ou não, uma ditadura é sempre ditadura. Condenados ou não, as pessoas morreram nos porões da ditadura. Isto o Estado Brasileiro o reconhece, por meio de sua comissão de anistia. Por isso, aqueles que se opuseram a ela, sejam democratas liberais ou marxistas militantes, merecem respeito, uma vez que optaram por remar contra a corrente. Quem valoriza a dignidade humana deve reconhecer o valor de quem se dedica a uma causa, mesmo que discorde dela. Na hora em que Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato recebem a gentil alcunha de cínicos e mentirosos, penso que Cláudio Abramo enfrentou o general Silvio Frota em vão.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Vico e o pensamento ocidental

Não há acordo entre os autores sobre a definição do momento em que nasce a modernidade. Da Renascença à Revolução Francesa, há uma miríade de opções disponíveis. Jacques Le Goff fala em uma longa Idade Média, que abarcaria a reta final do Império Romano e se estenderia até o início do século XIX. Questin Skinner aponta o início da genese do pensamento moderno no final do século XIV. Tudo varia de acordo com o que se entende por modernidade, e a linha de raciocínio do autor.

A concordância é maior quando se fala em uma mudança nas bases do pensamento ocidental entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX. Não importa qual a área do conhecimento, os paradigmas adotados no Ocidente do século XIX são claramente diferentes dos considerados ao final do XVIII.

Foucault estudou a fundo esta transição, devido a sua importância para a História dos sanatórios e do tratamento psiquiátrico. A mudança de abordagem entre Pinel e seus antecessores, percebeu Foucault, tinha por detrás uma transformação epistemológica. Tratava-se a loucura de uma forma diferente porque a compreensão sobre a loucura havia sido transformada.

Em "As Palavras e As Coisas", Foucault identifica esta mesma transformação nas ciências, e na conformação do universo conhecido por Ciência Humana. Para ele, a mudança está no foco do cientista, que altera por completo o objeto de estudo. Nos séculos XVII e XVIII, os cientistas se preocupavam com os aspectos formais dos objetos, a partir dos quais se fazia uma classificação. Daí surge a taxonomia de Lineu, ou a gramática. A partir do século XIX, a forma cede espaço à função. Um objeto de ciência se define não por suas características, mas por suas relações com os demais.

Sem conhecer ou ler Foucault, dois autores diferentes, um marxista e um teólogo, identificaram este ponto de virada em um obscuro autor italiano do final do século XVIII: Giovanni Baptiste Vico. Praticamente um iluminista solitário na Itália, Vico fundamentou sua filosofia em dois conceitos básicos: o vero (verdadeiro, verdade) e o facto (feito, produzido). Para ele, todo objeto conta com uma verdade sobre ele, ou seja, aquilo que a tradição chamou de essência, e com um conjunto de percepções relacionadas com sua utilidade. O vero e o facto corresponderiam, guardadas as diferenciações, com a essência e existência de Sartre.

Para Edmund Wilson, Vico foi fundamental para a compreensão do conceito de classe social. A partir dele, Michelet pode contar a história da França sob o ponto de vista das massas e seus conflitos. A luz dos conceitos de vero e facto, Michelet teria compreendido que as classes sociais se movem pelos seus interesses, e não são conduzidas por grandes homens.

Joseph Ratzinger, por sua vez, identificou em Vico as bases do utilitarismo moderno. Para o teólogo alemão, hoje papa Bento XVI, a dificuldade do homem moderno em compreender as coisas da espiritualidade tem a ver que seus pressupostos teóricos passam não mais pelo vero, mas pelo facto. Por isso, as questões teológicas passaram a escapar da visão do homem moderno.

Estas noções são algumas das bases de teorias e doutrinas diferentes e conflitantes entre si, como o marxismo, o darwinismo e o estruturalismo francês. Também ajudam a compreender as soluções do comunismo, do nazismo e do liberalismo moderno. O desafio, para o pensador do século XXI, está em como recuperar o valor da essência em um cenário determinado pela existência.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Mais Darwin

Confirmando o que eu já dizia no post anterior, a Santa Sé está organizando uma conferência sobre Charles Darwin e o evolucionismo. De acordo com o boletim de apresentação, o seu objetivo é propor a reconciliação entre os termos "criação junto com evolução, sem converter a primeira em uma teoria científica nem reduzir a segunda a um dogma".

O evento será realizado de 3 a 7 de março, na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Darwin era criacionista

Não gosto daqueles que insistem em ver em Darwin uma base segura contra tudo o que está na Biblia. O mesmo serve para Galileu, que merece um outro post. Na verdade, o pensamento cristão é dos fundamentos da teoria de Darwin.

Darwin acreditava, como bom criacionista, que Deus havia criado os animais da forma em que eles existem atualmente. Portanto, não poderia aceitar a teoria de Lamarck, segundo a qual a necessidade havia obrigado os animais a mudanças morfológicas, as quais haviam sido transmitidas a seus descendentes.

Além disso, o pensamento de Darwin se fundamentava em suas mudanças fundamentais na Biologia do século XIX em relação aos anos anteriores. Com Pasteur, foi provado que um ser vivo só poderia nascer de outro ser vivo semelhante. Com Cuvier, provou-se que as espécies não se transformam em outras por alterações morfológicas. Ambas as teses eram basicamente criacionistas.

Ao afirmar que os seres vivos foram criados iguais em todo o mundo, mas que apenas os mais adaptados sobreviveram às condições de cada ambiente, Darwin não fez nada mais do que afirmar o que dizia a fé cristã naquele momento. Contudo, a reação cristã à tese, como a inclusão no Syllabus das teses condenadas pelo Papa Pio IX, levou o darwinismo ao colo dos não-cristãos.

A principal contestação ao darwinismo dentro da Biologia, atualmente, não é o criacionismo e não tem fundamento cristão. Trata-se da teoria de Lovelock, segundo a qual a Terra é um organismo vivo, e entre os diversos seres vivos existe uma relação de colaboração similar à existente entre os órgãos no corpo humano. Lovelock baseou sua teoria no mito pagão da deusa Gaia, grega, que seria a mãe de todos os viventes.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cerceamento à liberdade religiosa

Uma das conquistas mais apregoadas da modernidade é a liberdade religiosa. Pois bem. Outro dia uma associação dita humanista iniciou em Londres uma campanha anti-religiosa e fundamentalista, com o curioso slogan "Deus provavelmente não existe".

Agora, na mesma Londres, uma enfermeira cristã é proibida de rezar pelo seu paciente e sofre processo disciplinar que pode redundar em demissão. O questionamento, espantoso, partiu da própria paciente. Ela alegou que o aviso poderia ofender outros pacientes.

Na prática, este caso é mais uma ofensa à dignidade dos cristãos. E, para desagrado dos inimigos da Deus, só serve para a propaganda da fé.