O embrião, afinal, é ou não é um ser vivo diferenciado de sua mãe? Este debate, que atravessa toda a discussão sobre o aborto, precisa ser travado em termos técnicos. Para dar uma idéia da sua dificuldade, vejamos o que diz a Congregação para a Doutrina da Fé, órgão da Santa Sé responsável sobre questões doutrinais, sobre o tema, em sua última instrução -
Dignitas Personae:
"Se a Instrução Donum vitae, para não se comprometer expressamente com uma afirmação de índole filosófica, não definiu que o embrião é pessoa, revelou todavia que existe um nexo intrínseco entre a dimensão ontológica e o valor específico de cada ser humano. Embora a presença de uma alma espiritual não possa ser detectada pela observação de qualquer dado experimental, são as próprias conclusões da ciência sobre o embrião humano a oferecer uma 'indicação valiosa para discernir racionalmente uma presença pessoal desde esse primeiro aparecer de uma vida humana: como um indivíduo humano não seria pessoa humana?'. A realidade do ser humano, com efeito, ao longo de toda a sua vida, antes e depois do nascimento, não permite afirmar nem uma mudança de natureza nem uma gradualidade de valor moral, porque possui uma plena qualificação antropológica e ética. O embrião humano, por isso, possui desde o início a dignidade própria da pessoa."
Ou seja, a autoridade máxima do Magistério da Igreja em termos de doutrina moral não afirma categoricamente que o embrião é um ser vivo. Pelo contrário, todo o debate moral construído sobre o tema parte do princípio que o embrião, desde o zigoto, é um serviço "em potencial". Baseia esta afirmação em pesquisas científicas desenvolvidas pela
Academia Pontifícia para a Vida. Por isso, a Igreja Católica entende como princípio moral sua defesa.
E aí chegamos à dificuldade do debate pela vida que se apresenta neste post: a sua aparência de ser um debate entre fé e ciência. Não é. O debate é travado entre cientistas, e nos marcos da ética científica. Do lado pró-vida, estão cientistas de diversas denominações, que entendem ser importante defender a integridade do embrião desde o zigoto. Do outro lado estão aqueles que pensam diferente: há desde os defensores da diferenciação a partir do 3º mês até os que negam a diferenção antes do nascimento.
A Academia Pontifícia para a Vida reúne 70 cientistas. Em seu último Congresso, reuniu mais de 400 cientistas. Sim, a maioria é católico. Sim, a Declaração Final deste Congresso termina com uma citação do Papa. Contudo, eles não são menos cientistas que os outros. Estes assumem sua orientação ética baseada no cristianismo. Os outros não assumem, mas seu discurso se baseia orientações ideológicas dos mais variados vieses: utilitarista, pós-moderna, marxista, liberal. Não há cientista que atue sem orientação ideológica.
Contudo, ao colocar o debate em termos pelos quais o cientista cristão ou fiel de qualquer outra religião tem a obrigação de esconder suas opções éticas, por serem "superticiosas", enquanto os outros podem manifestá-las, significa transformar os religiosos em cidadãos de segunda categoria.
Neste difícil embate, qual o dever daqueles que defendem a vida? Conduzir o debate para o campo técnico, sempre. Apresentar suas posições com fundamentos científicos. Colocar médicos como porta-vozes.