sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Vico e o pensamento ocidental

Não há acordo entre os autores sobre a definição do momento em que nasce a modernidade. Da Renascença à Revolução Francesa, há uma miríade de opções disponíveis. Jacques Le Goff fala em uma longa Idade Média, que abarcaria a reta final do Império Romano e se estenderia até o início do século XIX. Questin Skinner aponta o início da genese do pensamento moderno no final do século XIV. Tudo varia de acordo com o que se entende por modernidade, e a linha de raciocínio do autor.

A concordância é maior quando se fala em uma mudança nas bases do pensamento ocidental entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX. Não importa qual a área do conhecimento, os paradigmas adotados no Ocidente do século XIX são claramente diferentes dos considerados ao final do XVIII.

Foucault estudou a fundo esta transição, devido a sua importância para a História dos sanatórios e do tratamento psiquiátrico. A mudança de abordagem entre Pinel e seus antecessores, percebeu Foucault, tinha por detrás uma transformação epistemológica. Tratava-se a loucura de uma forma diferente porque a compreensão sobre a loucura havia sido transformada.

Em "As Palavras e As Coisas", Foucault identifica esta mesma transformação nas ciências, e na conformação do universo conhecido por Ciência Humana. Para ele, a mudança está no foco do cientista, que altera por completo o objeto de estudo. Nos séculos XVII e XVIII, os cientistas se preocupavam com os aspectos formais dos objetos, a partir dos quais se fazia uma classificação. Daí surge a taxonomia de Lineu, ou a gramática. A partir do século XIX, a forma cede espaço à função. Um objeto de ciência se define não por suas características, mas por suas relações com os demais.

Sem conhecer ou ler Foucault, dois autores diferentes, um marxista e um teólogo, identificaram este ponto de virada em um obscuro autor italiano do final do século XVIII: Giovanni Baptiste Vico. Praticamente um iluminista solitário na Itália, Vico fundamentou sua filosofia em dois conceitos básicos: o vero (verdadeiro, verdade) e o facto (feito, produzido). Para ele, todo objeto conta com uma verdade sobre ele, ou seja, aquilo que a tradição chamou de essência, e com um conjunto de percepções relacionadas com sua utilidade. O vero e o facto corresponderiam, guardadas as diferenciações, com a essência e existência de Sartre.

Para Edmund Wilson, Vico foi fundamental para a compreensão do conceito de classe social. A partir dele, Michelet pode contar a história da França sob o ponto de vista das massas e seus conflitos. A luz dos conceitos de vero e facto, Michelet teria compreendido que as classes sociais se movem pelos seus interesses, e não são conduzidas por grandes homens.

Joseph Ratzinger, por sua vez, identificou em Vico as bases do utilitarismo moderno. Para o teólogo alemão, hoje papa Bento XVI, a dificuldade do homem moderno em compreender as coisas da espiritualidade tem a ver que seus pressupostos teóricos passam não mais pelo vero, mas pelo facto. Por isso, as questões teológicas passaram a escapar da visão do homem moderno.

Estas noções são algumas das bases de teorias e doutrinas diferentes e conflitantes entre si, como o marxismo, o darwinismo e o estruturalismo francês. Também ajudam a compreender as soluções do comunismo, do nazismo e do liberalismo moderno. O desafio, para o pensador do século XXI, está em como recuperar o valor da essência em um cenário determinado pela existência.

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