terça-feira, 10 de março de 2009

Sobre excomunhão e falência dos valores

Não importa onde se vá, um dos temas em debate é a excomunhão dos responsáveis pelo aborto de uma menina de 9 anos no Recife, realizado com autorização judicial. O alvo, como sempre, é a Igreja, acusada de todos os pecados do mundo. O problema é complexo, e exige uma análise fria:

Aspectos jurídicos
  • Disse isso no blog do Pedro Dória - e por isso recebi muitos elogios, de "comedor de hóstia" para baixo: em caso de aborto, a excomunhão é latae sententiae. Isto é, ela acontece independentemente de ter sido ou não declarada. O cânon 1398 do Código de Direito Canônico assim o estabelece para o caso de aborto. Como a menina, por ser menor de 16 anos, não pode ser excomungada, a pena cai sobre os responsáveis, ou seja, a mãe, a equipe médica, o advogado da família e o juiz.
  • Uma pena latae sententiae pode ou não ser declarada. Se declarada, acrescenta punições públicas. Isto geralmente acontece quando o juiz, no caso o bispo, avalia que há grave dano à Igreja ou à moralidade.
  • Por opção pastoral, a pena latae sententiae pode não ser declarada, ou que facilita para o fiel regularizar a sua situação. Uma excomunhão declarada só pode ser remida pelo bispo ou pela Sé Apóstolica, dependendo de quem declarou a excomunhão. Uma excomunhão não declarada pode ser remida pelo confessor, durante a confissão.
  • Ao optar por declarar a excomunhão, o arcebispo de Olinda e Recife tomou uma decisão juridicamente adequada. Contudo, do ponto de vista pastoral, é ambigua. A declaração da excomunhão poderia ser substituída por uma conversa particular com a família da criança.
Peso dos pecados
  • Embora o aborto seja expressamente punido com a excomunhão, não há diuferença de peso entre ele e o abuso praticado pelo padrasto. Ambos são pecados graves. Tratam-se de matérias graves (direito a vida em um, castidade em outro), praticadas com conhecimento de que se tratavam de pecados, e com firme decisão da vontade.
  • Pelo contrário, o fato de a criança ter sido abusada atenua a culpa do aborto. Disse isso no blog do Pedro Dória, mas ninguém entendeu.
  • Para efeitos canônicos, tanto o padrasto quanto os responsáveis pelo aborto estão impedidos de receber os sacramentos. A diferença é que o padrastro, se estiver arrependido, pode procurar o confessor, enquanto os outros dependem de uma remissão da Arquidiocese de Olinda e Recife ou da Santa Sé.
Papel da Igreja
  • Seguir pesquisa de opinião pública é tarefa de departamento de marketing ou de partido político. O papel de Igreja não é aceitar esta ou aquela prática só porque se tornou costume, mas dar a diretriz moral.
  • Isto se faz por meio da direção espiritual particular e pelo posicionamento público diante de temas de elevada gravidade moral. Este é claramente um caso que exige um posicionamento público.
  • Este tem sido o papel da Igreja em todos os tempos. Por isso mesmo, ela se posicionou contra o incesto na Antiguidade e os duelos na Idade Média, ambas práticas aceitas pelo costume, mas que feriam a moralidade. É o mesmo caso do aborto hoje.
Falência dos valores
  • Uma sociedade na qual um padrasto seja incapaz de se conter perante uma enteada de nove anos é uma sociedade com seus valores em crise. Ela precisa urgentemente reencontrar o próprio caminho.
  • A família tem sido atacada e desmontada sistematicamente pela modernidade. Cada vez mais, os pais se sentem menos responsáveis pelos filhos, os maridos pelas esposas, as esposas pelos maridos. O trabalho, o lazer e outras coisas estão assumindo o espaço prioritário da família.
  • Além disso, a liberação sexual, ao invés de trazer a liberdade prometida por Wilhem Reich e Herbert Marcuse, trouxeram mais oportunidades de queda para os fracos. Hoje, uma pessoa com dificuldades de se conter perante estímulos sexuais encontra mais oportunidades de perder o controle que no passado recente.
  • É inaceitável que taras e desvios sexuais sejam tratadas como uma questão de livre opção, e não como fraquezas humanas, que exigem nossa atenção e cuidado.
É o que eu tenho para falar.

Um comentário:

  1. Meu caro Paulo,

    À parte as questões que competem apenas à Igreja Católica e seus seguidores, a misericórida e a compaixão deveriam ser praticadas por todos. E nesse caso, a junta médica expressou esses valores, ao contrário do Arcebispo.

    E se, de uma forma ou de outra, as ações do Arcebispo encontram respaldo no direito canônico, isso serve apenas para reforçar minha aversão a instituições religiosas como a ICAR.

    Respeitosamente,

    Darwinista.

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