sexta-feira, 12 de junho de 2009

Origens cristãs do nazismo?

Entrar em certos debates tem sido um desafio árduo. Um deles é a correlação direta entre nazismo e ateísmo. Tenho presenciado diretamente circunstâncias nas quais, quando esta correlação é levantada, alguém, geralmente ateu, afirma que o nazismo é cristão. Com base em quais argumentos? Estes.

Diante disso, tomei a iniciativa de tampar o nariz e entrar neste tema. Por que ele é importante? De acordo com a lei de Godwin, “à medida que uma discussão na internet cresce, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Hitler ou nazistas aproxima-se de 1”. Afinal, o nazismo é um dos poucos consensos modernos: ninguém com a cabeça no lugar gosta de ser relacionado a eles.

Para dizer se o nazismo é ou não é cristão, é necessário definir o que é ser cristão. Para isso, adoto a convenção adotada pelo Conic (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs): são consideradas cristãs as denominações que “confessam o Senhor Jesus Cristo como Deus e Salvador, segundo as Escrituras e, por isso, procuram cumprir sua vocação comum para a glória de Deus Uno e Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, em cujo nome administram o Santo Batismo”. Ou seja, uma doutrina cristã reconhece:
  • a divindade de Cristo
  • o valor divino da Bíblia (inclusive o Antigo Testamento)
  • a doutrina da Trindade, ou seja, do Deus Pai, Filho e Espírito Santo
  • a admissão à fé pelo batismo
Só por aí, o nazismo não poderia ser considerado cristão, por rejeitar toda herança judaica na cultura. Isto incluiria todo o Antigo Testamento. Contudo, os defensores da “cristandade do nazismo” alegam que suas raízes estão expressas no livro Mein Kampf, do Hitler. Com estes, pouco adianta dizer que o Mein Kampf é um livro de propaganda, e que Hitler não era conhecido por seu compromisso com a verdade. Se quisermos provar que o nazismo não tem nada a ver com o cristianismo, temos que ir ao texto.

Senão vejamos:

  • A palavra Jesus nunca aparece no texto. O personagem Jesus é citado uma única vez, como “fundador da nova doutrina”, em contraposição aos judeus. Cristo aparece uma vez, em um texto que pretende acusar os judeus de sua crucificação. Deus aparece 43 vezes: 20 vezes em interjeições como “Graças a Deus!”, e 23 vezes em uso aparentemente religioso, na maioria das vezes para afirmar a superioridade da raça ariana.
  • A palavra cristão aparece 21 vezes, 17 delas em referência ao Partido Democrata Cristão (partido da atual chanceler alemã, Angela Merkel). Todas as referências ao partido, que congregava católicos e protestantes alemães e contava com o apoio dos cleros, são negativas. Destaque-se que uma das primeiras medidas de Hitler no governo foi fechar o partido.
  • A doutrina apresentada como cristã da superioridade da raça ariana não tem embasamento nem na doutrina, nem na prática cristã. Cinco séculos antes, o papa Paulo III declarou que índios e brancos têm a mesma dignidade, condenando a escravidão indígena. Na prática, a fé era defendida por descendentes de índios no México (no movimento conhecido como Cristeiro), e pelos menos dois judeus eram pessoas de destaque na fé: Edith Stein, que se tornou carmelita, e os irmãos Theodoro e Afonso Rattisbone foram os fundadores da Congregação de Nossa Senhora de Sion
  • Acima de qualquer fé cristã, o Mein Kampf exala uma fé na superioridade da raça ariana. Isto explica referências como: “O protestantismo representa, por si, melhor, as aspirações do germanismo, desde que esse germanismo esteja fundamentado na origem e tradições da sua igreja; falha, entretanto, no momento em que essa defesa dos interesses nacionais tenha de realizar-se num domínio em discordância com a sua tradicional maneira de conceber os problemas mundiais”.

  • Alinhe isso tudo a uma situação clara de confrontação entre cristãos e nazistas:
    • Em 1933, os nazistas perderam em todos os distritos de maioria católica
    • O bispo de Munster, D. Clemens Von Galen, foi um dos principais opositores ao regime nazista
    • Também o teólogo protestante Karl Barth liderou uma corrente contra o nazismo
    • Em 1937, o papa Pio XI condenou o nazismo em sua Encíclica Mit brennender sorge
    • Seis mil padres católicos morreram em campos de concentração
    Acredito que estes pontos determinam mais claramente quem estava de qual lado durante o nazismo. Agora, pergunto: a quem interessa relacionar nazismo com cristianismo?

    2 comentários:

    1. Ora quem....aqueles que querem negar a intima relação do nazismo com o socialismo

      http://constitutionalistnc.tripod.com/hitler-leftist/

      chesterton

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    2. Na verdade, este é o risco da análise genética das idéias - ou seja, de buscar as origens de determinadas teorias. Neste ponto, estou com o professor Goldshimitt, um dos primeiros professores do departamento de filosofia da USP: tudo o que um texto quer dizer está redigido no próprio texto.

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